terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O Descaso do Acaso

Era mais uma tarde quente de Fevereiro,no centro de Guarulhos em meio ao caos do trânsito já tão normal ali existente, uma multidão de pessoas se aglomerava em um dos famosos calçadões da cidade, formando um circulo mal feito, com alguns mais próximos e outros apenas observando mais distantes,eu me infiltrei no meio e consegui chegar na frente e descobrir o que estava acontecendo. Naquele momento tendo um ataque cardíaco faleceria alguns instantes mais tarde o " Seu Zeh ", morador de rua desde 2000, querido por alguns ambulantes e comerciantes, e odiados por outros tantos.

 

Aproximadamente um mês antes deste fato, no mesmo centro, no mesmo calçadão, numa lanchonete bem simples, estava eu sentado em uma espécie de banco improvisado, esperando o garçom chegar com um lanche que acabará de pedir, vestido de social, camisa já meio que aberta devido ao calor, gravata torta e meio com folga do colarinho, após sair do estágio na minha primeira semana de trabalho após ter passado as férias na Bahia, o calor era insuportável e por alguns instantes me fazia lembrar das coisas boas que passei nas férias e de tudo que tive a oportunidade de aprender, já partia para a segunda metade do lanche, quando sou abordado por um Senhor, com um saco preto na mão cheio de latas de alumínio,barba mal feita, com olhos claros e enormes, tendo uma expressão facial forte, porém ao mesmo tempo agradável e sincera. Indagou se eu poderia lhe pagar um lanche, e eu sem dar muita importância ao tal sujeito, apenas chamei o garçom e pedi que prepara-se um X-burguer e lhe desse assim que pronto, e assim aconteceu, depois de passado algum tempo quando eu já estava de saída, eis que então ele me surpreende novamente e diz o Seguinte:

- Eu também já usei.

- Usou o que? Dizia eu.

- Usava terno e gravata, disse o sujeito.

Nesse momento, olhei novamente em sua face e sem saber o que esperar, perguntei o do porque ele estar nessa situação agora, o sujeito me perguntou se eu tinha 1 minuto disponível, já estava anoitecendo, estava cansado, mas senti alguma coisa diferente naquele momento, e senti que valeria a pena esperar, foi então que aquele senhor começou a falar sem parar, e que algumas coisas que ele disse ficarão marcadas para sempre na minha vida:

 

 

" ...Meu Jovem, eu já fui gente importante nessa cidade, eu ajudei a tudo se desenvolver por aqui, vim do interior na década de 60, eu tive filhos,netos e bisnetos e todos eu lhe garanto que estão bem de vida hoje. Jovem, no ano de 1999,"ele disse mês, dia e ano, mas não me recordo" eu voltava de uma festa de casamento com minha esposa, tinha bebido algumas a mais, e por uma fatalidade, perdi o controle do carro na Dutra, que acabou capotando fazendo ela falecer e eu tendo alguns ferimentos graves, que me fizerem ficar em coma por 1 mês. Quando acordei, tudo estava diferente, não me lembrava do que aconteceu, nem sabia onde estava pra ser sincero, os médicos me explicaram, mas eu com efeitos de remédios estava agressivo e muito alterado, com a melhora junto ao repouso no hospital, já estranhava não receber visitas, mas aos poucos elas apareceram e na primeira delas, do meu filho mais velho, fui noticiado que minha esposa havia falecido, e para minha surpresa toda minha família, inclusive ele me considerava culpado, por ter dirigido alterado devido á bebida, naquele momento sofri o impacto da morte da minha esposa que eu tanto amava, e da imediata separação de laços familiares construídos na minha família, não sei porque, mas senti que tudo seria e teria que ser diferente,quando voltei para casa fui mal recebido por todos, foram cruéis e macularam um sentimento de ódio extremo que foi crescendo no tempo que fiquei no hospital, fiquei por uma semana em casa nesse clima, e comecei a pensar que talvez realmente tivesse culpa, que deveria começar do zero novamente, e deixar minha família em paz. Mais uma semana se passou e preparei minhas coisas, botei na minha cabeça que eu era culpado, que era um desgraçado e que teria que pagar por isso, naquele dia, peguei todo o dinheiro que eu tinha guardado e doei para as Casas André Luiz. Sim, eu decidi morar na rua, começar realmente do zero, minha família não tentou me impedir e com gritos de "Já vai tarde",(seria nosso ultimo contato), eu deixei meu lar e segui rumo a vila maria. Lembro que no meu primeiro dia na rua, choveu muito e que adormeci no meio de cobertores embaixo de um toldo de uma padaria numa das suas avenidas principais. Jovem, hoje passados uns 8 anos disso eu tenho total certeza de que meus entes não mereciam meu amor, eu os amei demais e faria tudo por eles, perdoaria qualquer coisa em razão de manter todos unidos, mas eles foram ingratos e creio que algum dia pagarão por isso. Hoje tenho amigos que não visam meus bens, me ajudam com o pouco que tem, e assim como eu, sabem que não precisam de luxo para sobreviver, precisam apenas de gestos como o seu, de passar alguns minutos com um velho sujo e fedorento e lhe oferecer um lanche e um suco, porque a vida não precisa ser cruel e rica, ela precisa ser sincera e feliz, então jovem, viva sua vida com amor, não cometa os mesmos erros que cometeram eu e os meus parentes, pois sua felicidade só depende de você !

 

Naquele momento eu me emocionei tanto que algumas lágrimas caíram dos meus olhos, eu realmente precisava ouvir aquilo, estava passando por problemas de família, de saúde, e exagerando em outras coisas. A partir daquele momento minha vida teve um Antes e um Depois, divididos naquele instante, lhe dei um abraço profundo e imenso e a ultima coisa que lhe perguntei foi seu nome... Hoje com o mais sincero sentimento posso dizer com clareza, Descanse em Paz "Seu Zeh", pois você já se perdoou, e é isso que importa !

 

 

A reflexão disso tudo é que algumas coisas ruins acontecem, para outras que já foram ruins se tornarem boas mais tarde, devo muito do que sei que posso ser hoje em razão desse senhor, e não é mera coincidência eu presenciar o dia de seu falecimento, isso é algo muito mais sério, e que está acima de nós.



Helder Oldani

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